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O lugar da disciplina eclesiástica não é a Rede Social

Vivemos tempos em que pecados na igreja — especialmente envolvendo líderes — causam dor, escândalo e são julgados no tribunal instável da opinião pública digital. Não sem motivo: muitas igrejas falharam em aplicar disciplina com fidelidade, justiça e amor. Há vítimas reais, omissões graves e estruturas eclesiásticas doentes por conivência, medo ou corporativismo. Reconhecer isso é essencial. Mas também é crucial lembrar: a resposta ao mau uso de um princípio bíblico não é abandoná-lo, mas resgatá-lo.

As redes sociais não são o novo Areópago da verdade. Formam um grupo disforme, sem laços de membresia ou mutualidade, sem o compromisso do amor fraternal que busca restaurar o pecador e consolar as vítimas. O algoritmo ignora o arrependimento, não valoriza a reconciliação e não fomenta restauração. Sua lógica é outra: indignação, cancelamento e destruição pública.

Essa lógica cria uma “segunda instância” para questões da igreja — não a justiça civil, mas o tribunal anônimo e cruel da internet. É a lógica de Barrabás. O clamor popular que rejeita Cristo e, nessa dinâmica da multidão sem rosto, não há espaço para o pastor ferido, o irmão arrependido ou a restauração viável. Há apenas aplauso para quem grita mais alto e julgamento sumário para quem caiu.

A igreja não responde ao tribunal volátil da opinião pública digital, mas ao Senhor da Igreja, que a instituiu para cuidar de suas ovelhas com sabedoria, prudência e temor. Ceder à pressão das redes seria inverter a ordem: abandonar a guia da Palavra e do Espírito para se tornar refém do feed e da aprovação do mundo.

Ainda assim, isso não exime a liderança cristã de sua grande responsabilidade. Pelo contrário, eleva ainda mais o peso e o dever sobre os pastores. Eles são chamados a ser exemplos do rebanho (1Pe 5.3), vivendo com integridade e excelência entre aqueles a quem servem. Devem pastorear o rebanho de Deus, não como donos, mas como copastores com Cristo, o Supremo Pastor, a quem as ovelhas pertencem (Jo 10.11; 1Pe 5.4). Por isso, a Escritura determina que nenhuma acusação contra um presbítero seja aceita sem duas ou três testemunhas (1Tm 5.19) — não para protegê-lo de correção, mas para garantir a integridade do processo, evitando injustiça e leviandade.

Quando confirmada, a repreensão de um líder deve ser pública no âmbito da igreja local (1Tm 5.20), sim — não para destruí-lo, mas para advertir a igreja e preservar o temor de Deus entre os santos. Contudo, essa correção deve vir da própria igreja, daqueles que vivem em aliança mútua e sob a mesma autoridade da Palavra. Não cabe ao tribunal virtual de cancelamento assumir esse papel, pois a destruição pública de alguém, sem processo bíblico, sem misericórdia e sem esperança de restauração, é impiedade travestida de justiça. Zelo sem discernimento vira crueldade. E a ira popular, sem submissão à Palavra, não purifica a igreja — apenas a divide e a endurece.

Em 1 Pedro 5.1-4, Pedro exorta os presbíteros a pastorearem o rebanho de Deus “não como dominadores dos que vos foram confiados, mas antes, tornando-vos modelos do rebanho”. A falha pastoral não é só uma fraqueza humana — é uma traição à vocação recebida. Quem exerce autoridade será julgado com maior rigor (Tg 3.1). E quando o pecado se torna crime, a igreja não pode nem deve se calar para encobri-lo.

A responsabilidade civil deve ser acionada. Casos de violência doméstica e abusos emocionais ou físicos contra mulheres devem ser denunciados com base na Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006). Casos com menores devem seguir o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A disciplina eclesiástica não pode encobrir pecados que são crimes. O que compete à justiça humana deve ser levado a ela com coragem e verdade. A igreja não está fora da sociedade, mas inserida nela como luz e sal.

É igualmente claro: quem comete pecados ou crimes, se busca restauração genuína, deve seguir o caminho do arrependimento sincero. Isso inclui assumir a responsabilidade por seus atos, buscar reconciliação com os ofendidos e, se possível, reparar os danos causados. Em muitos casos, implica renunciar a posições de liderança ou influência, reconhecendo que certas feridas exigem tempo, prudência e maturidade para reconstruir a confiança.

O perdão de Deus não elimina as consequências humanas. O ladrão na cruz foi perdoado por Jesus, mas não escapou de sua sentença terrena. Morreu perdoado — mas crucificado. Isso é um alerta solene: ações geram consequências. O evangelho não é passe para impunidade, mas o poder de Deus para transformação, mesmo em meio às marcas da justiça humana. Arrependimento verdadeiro não busca perdão fácil; submete-se humildemente às consequências do pecado, confiando que, mesmo nelas, a graça de Deus opera.

Questões teológicas, éticas e morais pertencem à igreja e devem ser tratadas na comunidade da fé. Não devem ser entregues ao mundo nem retiradas de sua esfera. A igreja é a guardiã da verdade (1Tm 3.15) — verdade que não apenas ensina, mas pratica, por meio da disciplina e da restauração. Paulo repreende os coríntios por levarem disputas a tribunais seculares. Em 1 Coríntios 6.1-6, ele questiona: “Para vergonha vô-lo digo. Não há, porventura, entre vós sábios, nem mesmo um, que possa julgar entre seus irmãos? Mas irá um irmão a juízo contra outro irmão, e isto perante incrédulos? O só existir entre vós demandas já é completa derrota para vós.”

Para Paulo, a incapacidade da igreja de resolver seus conflitos é uma falha espiritual. Isso não significa encobrir crimes ou se omitir ante a justiça civil — como já dito. Mas pecados, propriamente ditos, devem ser tratados à luz do evangelho, entre os que compartilham o pacto da fé, o vínculo do amor e o compromisso com a verdade.

Quando a igreja delega sua responsabilidade moral à cultura, ao mercado ou ao algoritmo, ela renuncia à sua identidade como povo santo, chamado a discernir, corrigir e restaurar com sabedoria e temor. Pecado é assunto da igreja; crime, da justiça. Quando é ambos, cada um trata em sua esfera — com fidelidade ao Senhor da Igreja e zelo por suas ovelhas.

Ainda que graves sejam as consequências dos atos, o padrão bíblico nunca se limita à condenação. Esse é o caminho mais fácil. Nossa natureza pecaminosa, movida por justiça própria e vingança, já tende a isso. O impulso de excluir, silenciar e afastar é carnal — não requer o Espírito. Mas o evangelho nos chama a um caminho mais alto, contraintuitivo, custoso e espiritual. Só pelo Espírito Santo poderemos buscar algo além do ostracismo e da exposição pública, além do dedo acusador e do juízo precipitado. A Escritura não nos deixa parar na destruição do pecador — ela nos convoca a buscar sua restauração, com temor, verdade e graça. Porque esse é o caminho do nosso Redentor.

A disciplina eclesiástica não é um fim, mas um meio para restauração. O objetivo final é sempre o perdão, a reconciliação, a cura. Vemos isso em Deus, que, ofendido no Éden, tomou a iniciativa de descer ao homem e buscar reconciliação. O padrão de Deus é o perdão — e com ele, o custo do perdão.

Perdoar é custoso. Envolve assumir a dívida do outro. Envolve encobrir a transgressão, não com conivência, mas com graça. Envolve restaurar o relacionamento quebrado e não cobrar a dívida já paga. Como disse John Owen, “o perdão gratuito é a substância do Evangelho, a obra de Deus em perfeição”. E esse perdão é nosso padrão a seguir.

A igreja que não perdoa, mesmo sendo firme na disciplina, trai a essência do Evangelho. Mas a igreja que perdoa sem confrontar, trai a verdade do Evangelho. Perdão não é negar o pecado, é tratá-lo de forma redentiva.

E temos esperança. Deus, em seu amor e providência por sua igreja, não deixará impunes os pecados contra seus filhos. O Espírito Santo é poderoso para purificar até as igrejas mais doentes, se nelas houver a Palavra e o Evangelho. As cartas de Cristo às igrejas do Apocalipse mostram isso: mesmo ferida, mesmo frágil, a igreja é de Cristo — e ele cuida dela.

Ainda assim, surge uma pergunta honesta e dolorosa: o que fazer quando a própria estrutura da igreja local está comprometida? Quando há silêncio, omissão ou cumplicidade institucional com o pecado?

Mesmo assim, Deus não desampara seus filhos. Ele é o Pastor fiel, que busca suas ovelhas mesmo quando líderes falham. Nessas horas, é preciso agir com discernimento e fé. Primeiro, confiando em Deus e em sua justiça. Segundo, buscando irmãos maduros na comunidade da fé — aqueles com temor de Deus, sabedoria e coragem. E, se necessário, mudar de igreja. Ficar sob liderança abusiva, corrupta ou negligente não é fidelidade, mas pode ser cumplicidade. A verdadeira fidelidade é a Cristo, que nunca deixa seu povo sem pastoreio.

Em toda geração, Deus preserva igrejas fiéis e comunidades com Palavra, arrependimento e vida. Pode ser preciso sair, mas nunca se isolar. A ovelha ferida não precisa de palco, mas de pasto; não de voz anônima, mas de irmãos pactuados que dividam suas dores.

Que voltemos à Palavra. Que valorizemos a mutualidade do corpo. Que ouçamos os feridos. Que confrontemos os que abusaram de sua posição. Que acolhamos os arrependidos. Que confiemos no Espírito. Que amemos a igreja — e que façamos tudo isso no lugar certo: no chão da igreja!

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